Senhor Governador da província de Cabo Delgado, Valige Tauabo, nós em Mbau sabemos o que o senhor veio fazer aqui. O senhor não veio nos ouvir, não veio sentir as nossas dores, não veio conhecer o peso das nossas vidas o senhor veio cumprir um ritual político de encenação.
Chegou com uma escolta jamais vista em África, entrou no que antes era chamado de aldeia, ou posto administrativo, mas que hoje não podemos mais chamar de aldeia nem de posto administrativo. Aqui não temos chefe de posto, não temos centro de saúde, não temos escola. Aqui temos apenas as nossas vidas penduradas em “Makutas” frágeis que nós mesmos construímos. Nas noites, reunimo-nos num mesmo espaço para nos consolarmos, e ao nascer do sol, cada um, volta para o seu pequeno abrigo. Esta é a nossa existência.
E o senhor, ao invés de nos dar dignidade. E o que o senhor nos deu? Nos deu bolas de futebol e alguns equipamentos. Sim, bolas, para que a juventude se distraia, para o tempo correr, para a dor ser abafada por gritos de um jogo que nada resolve. Como se a miséria pudesse ser chutada para fora de campo. Como se a humilhação tivesse traves para marcar golo. Como se a fome tivesse traves para marcar golo. Nos deu bolas para nos distrairmos da morte, da guerra, da exclusão, enquanto o governo e os seus vivem em abundância.
No dia 17 de Maio deste mesmo ano, o senhor afirmou, com todas as letras, que Cabo Delgado estava “a caminho da estabilidade definitiva” depois de quase oito anos de ataques terroristas. Governador, como pode falar de estabilidade, se em Mbau não temos sequer um centro de saúde ou uma sala de aula? Como se pode falar de paz, se o que encontramos aqui são promessas vazias, relatórios para doadores e bolas de futebol como consolo?
Depois disso, voltas para Pemba, e nas páginas das Mídias, rádios, jornais, mandou escrever que os terroristas usam crianças como escudos humanos. Senhor Governador, como o senhor sabe disso? Quem lhe contou? Ou será mais uma linha escrita para agradar os relatórios dos doadores internacionais? Essa acusação não é para nos salvar, é para enganar. E isso não é apenas crueldade — é normalizar o terrorismo, é transformar a nossa dor em propaganda política.
Nós em Mbau não temos nem escola, e o senhor fala de crianças na linha da frente da guerra. Sabe o que dói? O senhor normaliza a barbárie, usa a tragédia para justificar a sua propaganda, para dizer que está atento, enquanto aqui não há nada. O senhor acusa os terroristas, mas quem sequestra a nossa esperança todos os dias é o próprio governo que nunca chega com o essencial do nó desse problema.
Mas nós sabemos a verdade. E a verdade é esta: as elites makondes, com Nyusi à frente, são acionistas desta guerra. Nyusi, que foi representante do Estado, que tinha nas mãos as chaves do destino de Cabo Delgado, é quem deve falar a verdade. Ele sabe como tudo começou, quem financia, quem ganha com esta tragédia e você pode vir ser um deles. E enquanto não falar, enquanto o governo da Frelimo continuar a fingir que traz soluções enquanto só traz bolas de futebol, Cabo Delgado continuará a sangrar.
Senhor Governador, eu sei que a lei escrita protege o senhor, protege os generais, protege a máquina da Frelimo. Mas eu também sei: a verdade é mais forte do que a lei dos homens. A verdade não precisa de tribunais para existir. E mesmo que eu morra por falar, melhor morrer em verdade do que viver calado sob mentira. Nós, o povo de Mbau, recebemos o senhor por respeito, porque já não temos outra escolha. Mas a verdade é dura: o Estado só aparece aqui para fotografia e mentira. Para relatar aos financiadores aquilo que nunca fez. A nossa Força Defesa e Segurança a passar mal aqui connosco.
Governador, diga a verdade: o que veio buscar em Mbau não foi a voz do povo, mas sim a sua própria encenação política. E é por isso que a guerra não termina — porque a paz não se constrói com bolas de futebol, nem com relatórios bonitos, mas com justiça, dignidade e coragem de encarar a verdade.
Senhor Governador, diga a Nyusi e ao seu governo: esta guerra é a prova maior da vossa falência moral e política. Vocês vivem, nós morremos. Vocês enganam, nós carregamos os corpos. Vocês governam, mas não governam para nós. E a paz só virá quando a verdade for dita. E às vossas bocas têm a verdade que pode libertar este povo, mas preferem o silêncio que mata.
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