Luva De Pedreiro, Conheça A História Do Fenómeno Da Internet



Chama-se Iran Ferreira, tem vinte anos e é um verdadeiro fenómeno da internet. Natural da pequena aldeia de Tábua, no interior rural da Bahia, Iran Ferreira começou a trabalhar aos sete anos na roça, cultivando a terra e tratando de animais, pelo que nunca teve tempo para estudar.


A mãe é dona de casa, o pai trabalha também na roça e a família de três pessoas habituou-se a viver na pobreza, na aldeia de 180 habitantes a cinco horas de carro de distância de Salvador.


Falhar refeições tornou-se habitual na casa da família, que podia ter pequeno-almoço, mas não ter almoço, ou ter almoço, mas falhar o jantar. Por isso quando a fome apertava, Iran Ferreira matava-a com mangas, que crescem com abundância nas árvores do quente interior bahiano.


O trabalho na roça rendia-lhe qualquer coisa como cinco euros por semana, havia mais o salário do pai e um apoio social do governo brasileiro a famílias carenciadas. Foi por isso com esforço que Iran Ferreira comprou um telemóvel em segunda mão que lhe havia de mudar a história.


«Eu comecei a gravar vídeos porque eu via meus grandes ídolos no youtube e no instagram a fazer golos. Como eu os via no telemóvel e na televisão, eu queria ver-me também. Então eu comecei a gravar esses vídeos assim e graças a Deus viralizaram», 


No entanto os vídeos não foram logo um sucesso. Os primeiros foram aliás motivo de gozo e Iran Ferreira começou a aparecer em memes. Mas o bahiano não desistiu nem se foi abaixo.


«O primeiro vídeo que fiz foi aqui campo de futebol onde sempre joguei, de terra batida, cheio de mato. Eu pedi para um amigo gravar e aí só rematei à baliza, daquele jeito, como sempre fiz.»


O sucesso não foi o sonhado, mas os amigos gostaram e Iran Ferreira não desistiu do sonho.


«Os meus amigos gostaram de mais. Disseram: faz outra vez. E então eu comecei a fazer mais vídeos.»


Mais tarde veio a ideia da luva. Inspirado pelos jogadores que via a jogar na televisão com luvas, para combater o frio do futebol europeu, Iran Ferreira quis também tapar as mãos nos vídeos. Sem dinheiro para comprar luvas desportivas, comprou umas luvas de pedreiro, numa casa de construção civil, todas rotas e que ele próprio coseu em casa. Ainda são as luvas que utiliza hoje.


A partir daí impôs a si próprio a alcunha de Luva de Pedreiro, que pegou e ficou famosa.


A verdade é que os vídeos do Luva de Pedreiro começaram a ter mais sucesso. Inicialmente eram postados no TikTok, um dia Iran Ferreira recebeu trinta likes e pensou que estava famoso.


Foi então que nasceu o chavão que o fez viralizar. «Receba», a palavra que grita em todos os vídeos e que vem do jargão bahiano. É uma diminuição de «receba a galinha pulando», um ditado que pode ser traduzido como uma espécie de «vai buscar». Iran Ferreira diz que foi uma forma de responder às críticas que os primeiros vídeos mereceram.


«Receba. Obrigado, meu Deus. Tem que respeitar. Luva de Pedreiro é o melhor do mundo. Deus é pai. Simmmmmmmmmmmmmmm.»


As palavras gritadas num jeito atabalhoado, como sotaque nordestino, num campo de terra batida cheio de ervas e acompanhadas por gestos enérgicos, conquistaram os fãs brasileiros. Os próprios jogadores começaram a partilhar e quando Neymar o fez o Luva de Pedreiro tornou-se mundial.

Já foi imitado por craques como o Gnabry, do Bayern Munique, os brasileiros Richarlison e Hulk, e até o plantel do Liverpool durante o treino foi apanhado a gritar «Receba!».

Pelo meio, Cristianinho, o filho de Cristiano Ronaldo, partilhou um vídeo a imitar o gesto do brasileiro e tornou o fenómeno do Luva de Pedreiro ainda maior.

«Rapaz, sobre isso, eu me sinto realizado. Nunca pensei que o filho do Cristiano Ronaldo ia me imitar. Isso faz-me sentir feliz de mais. Receba! Simmmmmm!»





Ora no meio disto tudo, o rapaz pobre de uma aldeia rural, que desde os sete anos trabalha na roça, tornou-se famoso mundialmente, arranjou um empresário que também representa alguns dos maiores jogadores brasileiros e é assessorado por uma agência que trabalha figuras públicas brasileiras. É essa agência de comunicação que agora o ajuda com os vídeos, o que trouxe um ar muito mais profissional aos conteúdos do Luva de Pedreiro.

Apesar de tudo, Iran Ferreira continua a morar em Tábua, numa casa demasiado modesta, onde faz a vida de sempre com os amigos de sempre. A única diferença, para já, é que tem mais dinheiro no bolso, o que lhe tem permitido ajudar mais a família.

«O que eu quero fazer a seguir? Quero continuar a ser criador de conteúdos. Vou continuar a gravar os meus vídeos porque gosto disso, gosto de alegrar o povo brasileiro, e espero poder ajudar desta forma a minha família e a comunidade dos meus amigos que sempre me ajudaram.»

Na segunda-feira viajou pela primeira vez para fora da região de Quijingue, onde fica a aldeia dele, para ir ao Rio de Janeiro, com os pais, participar num programa de televisão. Foi uma estreia a andar de avião.

Pelo caminho visitou o Vasco da Gama, de que é adepto, fez conteúdos para as redes sociais do clube e sabe o que aconteceu? Bateu o recorde de post com mais interações no instagram do Vasco e duplicou o número de seguidores do clube no TikTok. Fácil, fácil. Pela primeira vez, também, comeu batatas fritas na vida.

A prova de que na internet tudo é possível. E ainda bem.