Quando se trata de controle territorial pleno, o Comando Vermelho (CV) é atualmente o grupo que mais exerce esse tipo de domínio — aquele em que há imposição de regras, exploração econômica, barreiras armadas e uso sistemático da força. E é justamente o CV que está no centro das atenções nas investigações da Polícia Federal, na Operação Zagun, que prendeu ontem o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), acusado de obstrução — ele teria avisado ao então colega deputado TH Jóias, que é suspeito de intermediar negociações de armas e drones com a facção criminosa, que ele seria alvo de uma operação.
O domínio territorial de grupos armados no Rio alcança hoje quatro milhões de pessoas — o equivalente a 34,9% da população da Região Metropolitana, formada por 22 municípios, incluindo a capital e cidades da Baixada e do Leste Fluminense. O dado consta na nova edição do Mapa Histórico dos Grupos Armados, que vai ser lançado hoje, e revela que esses moradores vivem sob controle ou influência de facções do tráfico ou de milicianos — ao somar áreas de controle e áreas de influência, as milícias ultrapassam o CV em extensão territorial.
O estudo foi produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado. O levantamento informa que 18,1% de toda a superfície urbanizada da região está submetida a algum tipo de domínio armado. Ao todo, o CV controla 150 quilômetros quadrados, o que corresponde a 47,5% de todo o território dominado de forma estável no estado. Em número de moradores sob sua autoridade direta, o grupo alcança 1,6 milhão de pessoas, mantendo a hegemonia no controle populacional desde 2007, quando se iniciou a série histórica do GENI.
Quando se consideram também as áreas de influência, usadas pelas organizações criminosas para testar domínio, circular armados, explorar serviços e impor proibições parciais, são as milícias que alcançam a maior fatia territorial: 49,4% das áreas controladas ou influenciadas. No total, esses grupos dominam ou influenciam 201 quilômetros quadrados na região, interferindo na rotina de mais de 1,7 milhão de pessoas.
A expansão miliciana — baseada na cobrança de taxas, controle de serviços públicos e privados e presença territorial difusa — fez com que seu raio de atuação crescesse mais de 500% em 18 anos. Os paramilitares exploram serviços como TV a cabo clandestina, internet (“gatonet”), transporte alternativo e venda de botijões de gás, além de atuarem em grilagem de terras.
Estratégias diferentes
O relatório aponta que o Comando Vermelho segue em expansão, avançando de forma contínua mesmo após os anos de leve retração geral do domínio armado. Entre 2016 e 2020 — período classificado pelos pesquisadores como de “grande expansão”, marcado pelo colapso das UPPs e pela crise fiscal do estado — o controle territorial do CV aumentou, impulsionado pela movimentação de integrantes para áreas da Baixada e do Leste Fluminense.
As milícias, por sua vez, perderam território desde 2020 em razão de operações do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, durante investigações dos homicídios da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que resultaram na operação “Intocáveis”, em 2019 e 2020, contra milicianos de Rio das Pedras. Houve ainda retração decorrente de ações da Polícia Civil, como a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, em 2021, e a prisão de Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, pela PF, em 2023. Os irmãos Ecko e Zinho chefiavam a maior milícia da Zona Oeste.
— Em 2024, o Mapa Histórico dos Grupos Armados identificou que cerca de 400 quilômetros quadrados e mais de quatro milhões de pessoas encontravam-se sob influência do Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro (TCP), Amigos dos Amigos (ADA) e milícias. A tendência atual é de retração das milícias, enquanto o CV continua sua fase de expansão, até pelo seu perfil bélico — diz o coordenador da pesquisa do GENI, Daniel Hirata.
Segundo Hirata, tanto facções do tráfico quanto milícias adotavam, inicialmente, a estratégia de colonização, que ocorre quando grupos avançam sobre áreas que antes não tinham domínio armado. Atualmente, o mais comum é a conquista, em que uma facção substitui outra já instalada — dinâmica que costuma envolver confrontos armados.
— Precisamos olhar para as necessidades da população que mora nessas áreas, que são as maiores vítimas. Isso exige políticas públicas consistentes. Além disso, é essencial impedir que as armas cheguem com facilidade, seja melhorando a fiscalização das fronteiras, seja por mecanismos que hoje permitem a aquisição de armamento por CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores) — afirma Hirata.
Desigualdades reforçadas
Os pesquisadores mostram que zonas menos densas e de urbanização recente tendem a ser alvo de colonização — padrão típico das milícias —, enquanto áreas densamente povoadas, com mercados locais consolidados, são palco de conquistas, dinâmica mais associada às facções. Assim, milicianos avançam sobre vazios urbanos e loteamentos irregulares, enquanto traficantes ocupam territórios estruturados.
O levantamento também aponta que o controle armado reforça desigualdades raciais e de renda. Nas áreas controladas, a renda per capita média é de R$ 1.121, contra R$ 1.658 nas áreas não dominadas. Além disso, 69% dos moradores de locais sob controle são pessoas pretas, pardas ou indígenas — proporção acima da média das áreas fora do domínio de facções ou milícias.
O subsecretário de Inteligência da Secretaria de Polícia Militar, coronel Uirá do Nascimento Ferreira — responsável por um levantamento publicado em novembro pelo GLOBO indicando que o CV está presente em 70 dos 92 municípios do estado — concorda com as definições do GENI sobre domínio e influência:
— Estamos ampliando nosso levantamento, diferenciando domínio de influência territorial. No novo mapa, criamos áreas em vermelho e laranja. A vermelha indica que, se alguém liga para o 190, a polícia não entra: é área de domínio efetivo. Grande parte do estado, fora da Região Metropolitana, está na área laranja, onde a patrulha chega, então há apenas influência.
Ao comentar o Mapa Histórico, o secretário de Segurança Pública, o delegado federal Victor César, afirmou que os dados retratam a realidade vivida por moradores submetidos às facções:
— Se um quarto da população vive em favelas ou em áreas de influência desses grupos, sendo submetida a eles, a barricada simboliza o limite imposto. Para eles, a mensagem é: “daqui para dentro, quem manda somos nós”. Daí a importância de removê-las e devolver as vias aos moradores.
A pesquisa do GENI utilizou relatos do Disque-Denúncia — classificadas em categorias como empreendedorismo violento, controle social e uso da força —, além de notícias de jornais e literatura científica.

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