No passado dia 4 de Julho de 2025, um grupo de cidadãos moçambicanos, activistas e defensores dos direitos humanos apresentou uma participação-crime junto da Procuradoria da Cidade de Maputo contra o cidadão Narciso Paulo, músico e comentador de televisão, por declarações públicas que incitam à violência, discriminação e ódio contra pessoas LGBTQIA+ [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros, Queer, Intersexuais e Assexuais] moçambicanas.
A denúncia refere-se a uma série de intervenções, tendo a última sido feita durante a sua participação no programa televisivo “A Nossa Hora”, emitido no dia 3 de Junho de 2025, onde esteve em debate o tema: “Homossexualidade – Orientação Sexual ou Problema Espiritual?”, transmitido pela estação de televisão TV SUCESSO e amplamente divulgado nas redes sociais. Na ocasião, o comentador proferiu declarações alarmantes que atentam contra a dignidade humana e a integridade física de pessoas LGBTQIA+.
Entre as declarações feitas, consta a seguinte incitação directa à violência:
“Os pais devem, primeiro, dar uma boa porrada, porque a porrada é um dos meios de comunicação muito flexível. [...] todos nós crescemos na base da porrada, para poder ouvir e só depois sentar com ele e perguntar porquê é que faz isso.”
O comentador prosseguiu classificando a homossexualidade como uma "doença", sugerindo que jovens LGBTQIA+ devem ser submetidos à “cura espiritual” nas igrejas, afirmando:
“Os pais devem fazer entender aos filhos homossexuais que isso é uma doença e, depois de ele entender que é uma doença, só aí podem levar ao pastor. [...] Quando um pastor vê um gay a entrar na sua igreja, deve o chamar e perguntar o que ele vai fazer na igreja.”
Estas declarações não são só meramente infelizes, mas também violam frontalmente a Constituição da República de Moçambique, o Código Penal e a Lei de Imprensa, para além de atentarem gravemente contra a dignidade, a integridade e a segurança das pessoas LGBTQIA+.
Entre os conteúdos mais preocupantes estão afirmações que incitam diretamente a agressões físicas contra jovens homossexuais, bem como discursos abertamente discriminatórios e transfóbicos, que expõem essa população ao escárnio, marginalização e risco de violência real.
A legislação moçambicana pune actos de incitação ao ódio, discriminação e violência com base na identidade de género. O Artigo 191 do Código Penal (Lei n.º 24/2019) estabelece como crime a incitação à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoas por causa da sua identidade de género, com penas que podem ir de 1 a 8 anos de prisão.
Nos termos dos artigos 233 e 234 do Código Penal, são também puníveis as condutas que consubstanciem injúria ou difamação, isto é, ofensas à honra e reputação de pessoas ou grupos.
Além disso, o artigo 195 do Código Penal, conjugado com o artigo 41 da Constituição da República, limita o exercício da liberdade de expressão sempre que esta seja usada para promover o ódio ou incitar à violência e devassa da vida privada, protegendo assim a dignidade e a segurança de todos os cidadãos.
Ainda, resulta da lei, o papel dos meios de comunicação social a manutenção de padrões éticos e legais na esfera pública. A Lei de Imprensa (Lei n.º 18/91, de 10 de Agosto), estabelece de forma clara que os jornalistas e os órgãos de comunicação devem exercer as suas funções com respeito pela Constituição, pela dignidade da pessoa humana e em respeito aos direitos fundamentais. É, por isso, alarmante constatar uma crescente retórica discriminatória e sensacionalista em vários meios de comunicação social, com destaque para programas televisivos, onde o discurso de ódio tem encontrado espaço recorrente sob o disfarce de “opinião pessoal” ou “entretenimento”.
A iniciativa dos denunciantes inclui ainda um pedido de indemnização civil cujo montante deverá ser revertido em acções de educação pública em direitos humanos com vista a fomentar uma cultura de respeito, inclusão e dignidade para todas as pessoas.
Segundo Edu Meque, um dos integrantes do grupo de cidadãos queixosos, “não se trata apenas de responsabilizar uma figura pública, mas de reafirmar que os direitos humanos não são negociáveis, e que discursos de ódio não podem ser normalizados em Moçambique. Lembramos também que a impunidade para o discurso de ódio abre caminho à violência real, que muitos jovens LGBTQIA+ ainda enfrentam nas ruas, nas escolas e até nas suas próprias casas. Esta participação representa um marco na luta pelo respeito à dignidade e à igualdade de todos os moçambicanos, defendeu.
Os peticionários reafirmam o seu compromisso com os princípios da igualdade, da não-discriminação e do respeito pela dignidade da pessoa humana, e apelam a todas as instituições da República – incluindo a Procuradoria, a Entidade Reguladora da Comunicação Social e os próprios órgãos de comunicação – a assumirem as suas responsabilidades na defesa da ordem constitucional e da paz social, não permitindo que discursos de ódio encontrem guarida em nome da liberdade de expressão.
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