África Vive Em Pandemia Desde Os Tempos Coloniais, Diz Paulina Chiziane



A pandemia de Covid-19 não assustou Paulina Chiziane, a primeira escritora africana a vencer o Prémio Camões, porque "África sempre viveu em pandemia, desde os tempos da penetração colonial".

"Se não foi a pandemia das guerras e dos terrores, dos horrores, foram as doenças. Nós, africanos, estivemos sempre num círculo de inferno. É por isso que esta pandemia a mim não me assustou", afirmou a escritora moçambicana à agência Lusa, em Lisboa, onde se encontra a divulgar a sua obra.


E acrescentou: "É preciso reconhecer que em África a morte é gratuita. Basta andar na rua. Basta nascer para morrer ou para sofrer. Embora estejamos independentes, ainda há muitos problemas para resolver. Somos este continente pobre, empobrecido".


Em relação à covid-19, recordou que o continente africano se debate com inúmeros casos de malária, além de cólera ou peste. "E quando não é isso, são as guerras".


"O meu país, aquilo que eu pude vivenciar, foram a guerra de libertação nacional, com as suas mortes, massacres e tudo, tanto portugueses como moçambicanos, matavam e morriam, não sei porquê, depois tivemos a guerra civil, que foi uma outra pandemia e durou 16 anos, depois foram aquelas guerras de apoio ao Zimbabué, África do Sul, etc".


"E no meio de tudo isso, se não é cólera no centro do país, é a peste no norte do país, e a malária em todo o país. Agora covid... covid é mais uma", declarou.


A escritora acredita que estas dificuldades históricas foram um dos aspetos que fez com que "a África estivesse muito tranquila. Não houve tanto pânico e nem houve assim aquele número de mortes que se diz que houve. E há muitas razões também".


"Para além de ser o hemisfério sul, é preciso reconhecer que nós temos poucos transportes públicos e poucos lugares para estarmos muito juntos, como os estádios de futebol, temos poucos comboios, andamos mais a pé e mais expostos ao sol. Então isso também foi uma vantagem para nós. Temos uma vida mais natural. Aquilo que parecia muito mal, acabou revelando-se como sendo benéfico", disse.


"Claro que sofremos e estamos ainda a sofrer, mas o africano está habituado a sofrer. Que pena!".


Em relação aos países ricos, Paulina observa que, "alguns países do ocidente e alguns países da América, sentiam-se senhores do mundo, detentores de uma grande ciência. Mas a covid mostrou as limitações do ser humano e as limitações de toda a ciência e da tecnologia".


A escritora gostou de ver na sua terra, Moçambique, um certo regresso às origens.


"Eu recordo que as ruas da cidade de Maputo estavam cheias de pessoas vendendo folhas de eucalipto, vendendo uma série de outras folhas que fazem bem para o tratamento da covid", referiu, acrescentano: "a covid fez-nos parar para mostrar que o ser humano foi feito para viver com a natureza da natureza, porque ele é a natureza".


Mas a pandemia também mostrou que, tal como em outras ocasiões, "as mulheres são as que mais sofrem".


"Há meninas que iram à escola e que interromperam porque chegou a pandemia e por causa das necessidades, ou porque o pai morreu com covid, ou a família perdeu a fonte de sustento, acabaram sendo as mais sacrificadas e nunca mais poderão ir à escola".